h1

junho, 9 - 2019

angels cry

De tudo o que tenho lido hoje de amigos e desconhecidos pelas redes sociais, me parece que partilhamos uma sensação comum:

O Angra foi uma das coisas mais significativas de ter sido adolescente na década de 1990.

Descobri o Angra quando a banda já estava se separando, um acontecimento que sempre me deixou com a sensação de ter chegado atrasada em uma festa muito legal. Atrasada ou não, essa foi a trilha sonora no fundo de boa parte da minha vida; eram hinos brasileiros mas numa língua estrangeira , que a gente decorava e decodificava com a ajuda do dicionário. Os álbuns conceituais tinham uma mística toda peculiar, e era humanamente necessário ter todos os discos da banda. Lembro que quando eu não tinha dinheiro para comprar, pegava uma pilha de outros CDs encostados e levava para trocar na loja de discos do bairro – dez, doze discos por apenas um, muito mais valioso. Esses CDs do Angra, tão simbólicos, tão icônicos, guardo até hoje – mesmo não tendo mais um aparelho que toque CDs.

Mas eu ia falando dos anos 90… O metal melódico virou algo surpreendentemente em voga para nós, adolescentes da classe média urbana; definiu uma estética para a nossa geração, de cabelos compridos e roupas pretas, camisetas de banda com capas dos discos. A cena do metal melódico era a nossa novela, a nossa fofoca diária; um imaginário que misturava realidade e ficção sobre a vida de nossos ídolos. Muito além da mera distração, nos contagiou com uma poética – algo sutil e difícil de definir – uma poética que carrego comigo na minha formação.

Hoje me surpreende pensar que o cara que protagonizou essa revolução era só doze anos mais velho que eu, o que me soa de uma precocidade mozartiana. Protagonizou, foi o epicentro, pois o Viper, o Angra, e depois o Shaman possivelmente não teriam existido da mesma forma – ou não teriam existido literalmente – sem o André Matos com sua voz, charme e a formação clássica que ele levava para o palco e os estúdios de gravação.

Eu não esperava receber a notícia da morte do André em nenhum momento dos próximos 40 anos.  Hoje, mais uma vez, eu sinto que o tempo passa e arranca de mim os personagens do livro da nostalgia, a parte humana das minhas mais humanas referências.

h1

Ursula há um ano em outro universo

janeiro, 22 - 2019

ursulas

Há um ano atrás eu estava em Praia Grande empenhada numa tradução, quando por volta das 18 ou 19h meu celular começou a vibrar sem parar.

Eram amigos me notificando do falecimento da Ursula K. Le Guin.

Lembro que eu encerrei meu turno e fui perambular pela praia, e pelo resto da noite fiquei nostálgica, revisitando na imaginação uma porção de mundos que conheci pelas mãos dela.

Já faz um ano e o tempo passa de um jeito que deixa a gente besta. Mas quando penso na Ursula é quase com um susto que me dou conta que morta ou viva ela continua presente em idêntica extensão, tão sólidos foram os alicerces simbólicos que ela fundou em mim.

E então me lembro que foi por causa dela que decidi, há mais de dez anos, que a vida só valeria a pena se eu buscasse verdade, sentido e beleza por meio da literatura.

E que a imortalidade dos escritores não se deve necessariamente ao fato de que a obra teve impacto suficiente para alcançar um monte de gente por um bocado de tempo, e colheu louros na forma de prêmios, de estátua em praça, de reportagens na mídia, filmes no cinema, teses nas academias e tortura estudantil no vestibular.

Não.

A Ursula me ensinou sobre outro tipo de imortalidade do autor – aquela em que se vira eco na alma de outra pessoa. Quando o impacto que um livro causa em alguém por um breve momento tem energia suficiente para mudar uma vida inteira. Esse é um tipo de milagre secreto, fica entre o autor e o leitor, como um meteoro que se espatifou no mundo íntimo de alguém e não deu notícia no jornal.

Mas, pra mim, são as faíscas mais bonitas.

h1

Nel mezzo del cammin de mi vita

outubro, 29 - 2018

Tenho que encontrar refúgio
E tenho que ir à luta.
Tenho que buscar o equilíbrio
E me deixar desequilibrar de quando em vez.

Tenho que escrever. Desesperadamente.
Tenho que surfar e correr.
E ganhar dinheiro, claro. Inevitável.
Ir em frente contra toda marcha-à-ré.

Tenho que ser eu e tenho que ser os demais
Porque os demais são o eco, enquanto sozinha emudeço.
Sozinha sou ilha. Me deem, ao menos, as ondas.
Porque preciso me espalhar. Tenho que.

35, tenho trinta-e-cinco!
Como Dante quando sonhou com Virgílio
Ciceroneado para visitar os círculos
Do céu, do purgatório e do inferno.

Eis que o érebo caiu feito uma pedra
Nel mezzo del cammin de mi vita
E mi ritrovai por una selva oscura
Interditada entre a danação e o alento,
Sabendo que já não tenho tanto tempo,
Somente o direito, senão o destino

De vagar em círculos
De vagar em círculos

Pelos círculos amplos e vastos,
Através de gretas e precipícios e cenários esparsos
Com meus pés descalços e tendões hirtos.

O céu? a infância às costas.
O purgatório? a velhice à vista.
Cada inferno, em círculos, carrego
Eu mesma, nas marés do meu citoplasma,
Com o desvario e a ventura
Deste medíocre meio de minha vida.

 
Cristina Lasaitis (29 de outubro de 2018)

h1

Entrevista – Como eu Escrevo

agosto, 8 - 2018

O projeto Como eu Escrevo é uma iniciativa bacaníssima do José Nunes, que criou um site reunindo os depoimentos de dezenas de escritores brasileiros, sempre respondendo às mesmas perguntas sobre sua rotina de escrita.

É um lugar sensacional para conhecer mais sobre seu autor favorito, ou para descobrir que muitos outros escritores partilham das mesmas dificuldades, angústias e paixões literárias que você.

Foi um prazer participar dessa entrevista. Vocês podem conferi-la clicando aqui.

048

h1

Eventos, eventos, eventos

maio, 4 - 2018

Enquanto estava cursando a USP, passei bons anos sem participar de eventos literários. A boa notícia é que concluí o curso, voltei a descongelar o projeto de escritora guardado no <3, de modo que 2018 vai ser um ano de renascimento e eventos.

Pela primeira vez serei palestrante em dois eventos aos quais sempre sonhei ir: a Odisseia de Literatura Fantástica do Rio Grande do Sul e a FLIP!

Como quando onde?

Ei-los:

 V Odisseia de Literatura Fantástica – 08, 09 e 10 de Junho de 2018

divulgação

Evento organizado por escritores e fãs gaúchos, a  Odisseia de Literatura Fantástica teve sua primeira edição em 2012 na cidade de Porto Alegre e se tornou um evento anual. Porém, nos anos recentes houve um hiato, e uma vez que não consegui comparecer às edições anteriores, cheguei a acreditar que havia perdido a chance de assistir a esse evento sensacional fora do eixo Rio – São Paulo.

Eis que a notícia da quinta edição da Odisseia chega no meu e-mail junto com um convite – para mim, nada menos que emocionante – para participar do bate-papo:

Os Universos de Ursula K. Le Guin – ao lado de Glaucia Campregher, José Francisco Botelho e Ana Rüsche – no dia 09 de junho às 15h.

Ficarei honradíssima em participar dessa conversa sobre a obra da Ursula, minha autora favorita, que faleceu no dia 22 de janeiro deste ano.

A Odisseia será um evento recheado autores e papos interessantes, e o cronograma completo pode ser acessado na página do evento no Facebook.

Informações gerais:

V ODISSEIA DE LITERATURA FANTÁSTICA
DATA: dias 08, 09 e 10 de junho
HORÁRIOS: sexta (08), das 10h às 20h30; sábado (09) e domingo (10), das 13h às 19h30
LOCAL: Auditório Barbosa Lessa – Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (R. dos Andradas, 1223 – Porto Alegre/RS)

***

CASA FANTÁSTICA na FLIP –  24 a 29 de Julho de 2018

casa fantastica

Perdi a conta de quantos anos fazem que quero ir para a FLIP. Isso quase chegou a acontecer em 2014, quando recebi um convite para a OFF FLIP – mas estava com viagem marcada para Portugal na mesma data.

Viajar para Portugal foi maravilhoso, é claro. Mas ficou pendente essa vontade eterna de ir à FLIP.

Até que o ano de 2018 chegou com um novo convite, yay! Desta vez, para participar de um projeto novo organizado por Priscila Lhacer da editora Presságio.

A Casa Fantástica será a sede de palestras e rodas de literatura fantástica durante os dias da FLIP, na programação paralela ao evento oficial, ou seja, a OFF FLIP.

Participarei do bate-papo Ficção Científica e inovação tecnológica: a relação entre imaginação e ciência. Ainda não tenho confirmação sobre horário, dia e quem serão meus parceiros de mesa, irei atualizar esta postagem assim que tiver as informações.

MUITO IMPORTANTE: A Casa Fantástica é um projeto colaborativo e precisa de patrocínio para a sua realização. Por isso mesmo, está captando recursos por meio do site Benfeitoria. A meta é arrecadar R$11 mil até dia 08/06. Com a doação, além de ajudar a Casa Fantástica a acontecer, você pode escolher recompensas deliciosas – por exemplo, o direito a todas as transmissões do evento, canecas e camisetas homenageando seus autores favoritos.

Mais informações na página da Casa Fantástica no Facebook.

h1

Trazendo Jorge Amado de volta

março, 21 - 2018

Quando eu era criança havia uma coleção completa de livros do Jorge Amado – vistosa, enorme, de capas vermelhas — enfeitando as estantes de casa.
Esta era uma casa de não-leitores (e isso me inclui), portanto a coleção passou décadas sentada na sala sem que nenhuma de suas milhares de páginas recebesse esse privilégio que os livros têm de serem, eventualmente, lidos.
Eram objetos decorativos. Até o dia em que a decoração mudou e eles foram encaminhados para o sebo — destino fatal da decoração de várias salas.
Roda o pião do tempo e aqui estou eu, caída num momento em que preciso conhecer o mundo de Jorge Amado e ler ler ler ler ler
Então, toco em direção ao sebo babando book-freakshlingly, com sacolas de livros para trocar, a fazer o resgate
Mais empoeirado
Mais manchado
Mais mofado
De uma parte daqueles livros —
Aqueles livros que enfeitaram as estantes por tantos anos sem que ninguém soubesse pra quê eles serviam.

jorgeamado

h1

Estarei no NERDCON 2018

março, 20 - 2018

865c1a293f0b

Pessoal, entre os dias 13/03/2018 e 25/03/2018 está rolando um evento superbacana em São Paulo – o Nerdcon, no Sesc Interlagos, com a presença de artistas, cosplayers, cursos e oficinas e também palestras e bate-papos sobre cultura pop, um monte de coisas, vejam a programação no site do Sesc.

E AÍ QUE

No dia 24/03, às 15:30, eu estarei lá para um bate-papo sobre fantasia e ficção científica no Brasil! E estão todos muitíssimo convidados.

O Sesc Interlagos é longe de quase tudo em São Paulo, e isso é desencorajador para uma boa parte do público – verdade.

Não sou uma escritora famosa – verdade.

Não tenho brindes a sortear — verdade.

Faz tempo que não lanço um livro — verdade.

E a quem me conceder a graça de sua presença, ofereço o meu papo, eventualmente podemos tomar café e ter um momento contemplativo à vista da represa Billings e encontrar o sentido da vida.

Ah, e o evento é gratuito!

Serão todos muito bem-vindos \o/

O endereço do Sesc Interlagos é:

Avenida Manuel Alves Soares, 1100 – Pq. Colonial, São Paulo (CEP: 04821-270)

Mais informações na página do evento no Facebook.

h1

Para todas as vozes de Marielle

março, 15 - 2018

Nesta vida, nesta guerra, eu tenho medo é de ter medo. De acatar as vontades de quem se esforça pra impedir minhas ações ou calar minhas palavras. Tenho medo de me acovardar, e assim incidir na minha própria sabotagem.

Não reproduzo a retórica do medo porque não tenho medo de canalhas – arrolam uma porção de outras aversões, mas os canalhas não merecem sequer aquele temor respeitoso que os monstros inspiram.

Não sou heroína de nada, nem revolucionária, sou do tamanho de um girino replicando pensamentos aleatórios em redes sociais enquanto chafurdo em livros. Não sou nem digna de um calaboca das “instâncias superiores”.

Mas sei que essa atividade subversiva – falar o que pensa, chafurdar em livros – costumava ser perigosa até a década em que eu nasci. Perigosa até para girinos iguais a mim.

Sou rebenta da democracia em um país que até então era dominado pela lei da mordaça.
Tive sorte de vir ao mundo quando se abriu uma fresta de liberdade, e sei que no mundo contemporâneo, sob os auspícios da internet, talvez essa mordaça não tenha mais capacidade de calar tantas bocas. São bocas falantes demais.

Então, os canalhas insatisfeitos miram em uma boca incômoda e apertam o gatilho, matam e esperam que o recado sirva para acovardar outros que ousem transpor seus discursos de internet para o território das ruas, dos palanques, dos espaços de poder, das trincheiras onde se batalha o cotidiano de nossas cidades.

Esses canalhas, eles não precisam do nosso medo. Precisam é ser engolidos por milhões de bocas.

h1

Annihilation, Aeon Flux & a perplexidade

março, 13 - 2018

De tempos em tempos eu re-assisto à animação Aeon Flux, de Peter Chung, lançada no começo dos anos 1990 pela Liquid Television.

Pra mim é uma obra de referência, não apenas porque deixou a criança que eu era nos 1990 boquiaberta, mas porque ainda deixa a adulta dos tardios 2010 mistificada. É uma obra única, não apenas em termos de desenho animado, não apenas em termos de science fiction — é original em estética, direção, ângulos de “câmera”, roteiro, textos formidáveis de narrador/voz over, e principalmente: o resultado complexo, viajado, abismalmente estranho e intrigante.

Gosto de Aeon Flux porque evoca em mim perplexidade — um dos meus sentimentos favoritos em termos de fruição estética. São tão poucas obras que conseguem produzi-lo a contento que eu me sinto obrigada a colecioná-las.

Por um raio da coincidência, é bem neste momento que o Netflix solta Annihilation, a adaptação cinematográfica do livro do Jeff Vandermeer feita por Alex Garland.
Eu havia gostado demais da leitura de “Aniquilação”, que li na tradução do Braulio Tavares. Também gostei muito do filme, que conseguiu fazer uma boa transposição imagética das pirações estranhas que constam no romance literário.

Diria que Annihilation é o filme de alienígenas que eu sempre quis ver. Porque o elemento estranho chegado à Terra, vindo de não se sabe onde, é um ser que não pode ser definido, nem sequer compreendido. Confrontá-lo é uma experiência aterradora, não porque ele seja uma criatura feia e caçadora como o Alien ou o Predador, mas justamente porque é — dentro de sua esquisitice — de uma beleza enigmática, absolutamente diferente, e não é possível saber suas intenções e motivações, não é possível antecipar suas ações, não é possível saber nem se ela pensa ou deseja. Diferente de Contato (Carl Sagan) e A Chegada (Ted Chiang), não há comunicação possível entre humanos e alienígenas, porque não parece existir uma psique que sirva de terreno comum entre as espécies. A trama se desenvolve no encontro/ no atrito/ no choque de dois universos mutuamente estranháveis e incomunicáveis.

Annihilation – livro e filme — é uma obra que explora o terror-perplexidade de que tanto gosto, que acho tão raro de encontrar e tão quintessencial na ficção.
E estou dizendo isto principalmente porque desenvolver uma obra bem-sucedida no gênero weird/estranho não é fácil. Não deixa de ser um sonho meu.

Por falar nisso, estou precisando rever Stalker

h1

Beyond the Invisible de graça na Amazon!

março, 11 - 2017

Galera, está rolando uma promoção muito doida na Amazon BR!

Com o cupom INGLES10 você pode comprar INFINITOS ebooks em inglês até o valor de 10 reais!

É só inserir o cupom de desconto INGLES10 e fechar o pedido, você leva o ebook de graça \o/

A promoção termina no dia 12 de março de 2017. Aproveitem!

Aliás, aproveitem e confiram meu e-conto Beyond the Invisible!

SONY DSC

Beyond the Invisible – Cristina Lasaitis

h1

“Beyond the Invisible” now available!

janeiro, 30 - 2017

I’m glad to announce that my short story “Beyond the Invisible”, first published in the collection Fabulas do Tempo e da Eternidade (“Time and Eternity Fables”) is now available in English language in Amazon for Kindle (for R$1.99 in Amazon Brazil or US$0.99 in Amazon.com)  and for free in the Kindle Unlimited program.

Synopsis:

Santa Paola, an alternative virtual twin of Sao Paolo city, is a cosy home for the avatars of users scared and tired of the real world. It is in this oneiric scenery, under algorithmic rains of rose petals, that Marcos and Maya had met and fallen in love. However, for a long time they haven’t had a clue of who their users are in real life. When doubt come across their sweet virtual existence and they dare ask the dangerous questions, they might discover that the knowledge of each other is the hardest thing someone who gave up reality for love could ever face.

SONY DSC

Beyond the Invisible – Cristina Lasaitis

h1

Ave Max

novembro, 4 - 2016

Sempre achei a morte, como retratada nos filmes, um furo de roteiro. Geralmente se constrói aquela cena clássica comovente: a pessoa à beira da morte fica estendida, praticamente tomada nos braços de outro alguém relevante. Em over, a trilha sonora diz ao espectador que está chegando a hora de chorar. O moribundo, então, balbucia as últimas palavras, diz a última coisa importante, e em seguida – cronometradamente – morre.

Essa morte dos filmes é tão nada a ver com a vida.
A morte, na vida real, parece que não tem bem um ponto final. Parece mais uma frase interrompida no meio.
São encontros suspensos.
São planos frustrados.
São livros deixados pela metade.
São contas pra pagar esquecidas em cima da mesa.
A morte de uma pessoa jovem não costuma dar espaço para despedidas.

E é um pouco assim que eu me sinto ao saber que perdi um dos mais brilhantes dos meus amigos – sinto a vida atropelada. Eu tinha secretamente a ilusão de que ele sempre estaria ali para o eterno reencontro, para inúmeras e sagradas cervejas no bar e infinitos papos interessantes e divertidos. Uma pessoa tão talentosa, inteligente, engraçada e adorável, é claro que só pode ser imortal!

Da últimas vez que conversamos numa janela de chat, há poucos meses, o Max havia me convidado para um desses momentos boêmios sagrados. Foi uma lástima isso não ter acontecido. Grande oportunidade perdida.

Se eu pudesse encontrá-lo novamente daria um puxão de orelha cujo motivo só ele saberia. E, se o encontrasse agora, riríamos como se não houvesse amanhã, literalmente, porque sei que era assim que ele vivia – um dia por dia.

O Max Mallmann foi a um só tempo um dos escritores que mais me fizeram rir e também um dos que melhor colocaram em palavras a angústia da finitude. No livro “Zigurate – Uma Fábula Babélica” ele ressuscitou dois deuses sumérios e fez uma homenagem contemporânea à Epopeia de Gilgamesh. A primeira obra literária da história humana, não por acaso, versava sobre um herói que, após perder seu melhor amigo, empreende uma jornada em busca da imortalidade. Em Zigurate, a personagem de Sophie Brasier, uma pesquisadora com a saúde muito frágil (na prática, morrendo) descobria em meio às traças de uma biblioteca o paradeiro dos deuses imortais. Há nessa alegoria que o Max criou o encontro poderoso da vida e da morte – os deuses vêm ao mundo com seus poderes e suas preocupações de quem tem o tempo infinito – e não podem salvar aqueles cujo tempo está prestes a se esgotar.

A descoberta de Sophie é a descoberta de Gilgamesh: a mesma descoberta que aguarda qualquer um de nós no fim da jornada – ou na jornada interrompida.

Eu poderia dissertar aqui sobre a injustiça da morte em levar os mais talentosos e adoráveis primeiro. Mas acho que a consideração correta neste momento, além do carinho pelas obras que guardarei, é que foi uma sorte, uma honra imensa, uma felicidade tê-lo conhecido, nos livros e na vida, e, nesse curto espaço de tempo e de mesas de bar, ter sido sua amiga.